A abolição da escravidão foi um tema que atravessou a história do Brasil independente. Desde que se emancipou de Portugal e teve de criar sua própria ordem jurídica e política, os construtores da nação tiveram de lidar com essa questão: o que fazer com os escravos?
José Bonifácio e Dom Pedro I, os dois principais nomes do movimento de independência, eram favoráveis ao fim da escravidão. Na Assembleia Constituinte que se reuniu em 1823, Bonifácio apresentou uma representação com 32 artigos pautando a abolição do trabalho escravo, tido por ele como um câncer.
Ela seria feita de maneira gradual, com o Estado vigiando para que os senhores tratassem os escravos de maneira cada vez mais humanizada, até que fossem todos libertados.
A opção por um processo gradual se dava pelo fato de a escravidão ser a forma de trabalho mais difundida na sociedade. A bem da verdade, ela estava entranhada em todos os cantos, ao ponto de até escravos manterem seus próprios cativos.
Somente depois de mais de 60 anos, quando Dom Pedro II era o imperador do Brasil, o parlamento decretou o fim do regime escravista através da Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Não sem muita luta e uma pressão absurda tanto por parte do imperador quanto por parte de diversos setores da sociedade civil e internacionais.
Dom Pedro começou suas ações atenuando medidas jurídicas contra escravos. Por exemplo, na década de 1850, ele emitiu um aviso - uma espécie de decreto - pelo qual permitiu que escravos condenados à morte pudessem receber uma comutação de pena, que ele mesmo dava. Isso atingiu diretamente os escravos que atentavam contra a vida de seus senhores.
Em seguida, ficou proibida a venda de escravos que tivessem famílias, para evitar separar os seus componentes. Após a Guerra do Paraguai, o Brasil ocupou a nação derrotada e impôs a libertação de todos os escravos dela. Com isso, aumentou-se a pressão em território brasileiro para que isso acontecesse também aqui. Em 1871 veio a primeira lei com vistas a dar fim à escravidão.
Saiba melhor no meu texto anterior sobre a Guerra do Paraguai.
Inspirada na lei espanhola para Cuba, de 1864, a lei de 1871 tornava livres todos os filhos de mães escravas. Houve um rebuliço entre a classe política. Os principais argumentos contrários à lei eram:
o Estado estava entrando nos limites da propriedade privada;
a libertação das crianças faria os escravos se rebelarem;
a lei iria desorganizar a economia do país.
Para levar o projeto adiante, Dom Pedro II escolheu um político hábil e respeitado: José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco. Ele utilizou todos os meios para garantir a aprovação, desde longos discursos até a ameaça contra políticos que eram também funcionários públicos e tinham cargos sob seu poder.
A lei foi aprovada, fazendo algumas concessões, como a indenização aos proprietários. Ela poderia ser recebida de duas maneiras: 1) dinheiro dado pelo Estado; 2) a criança poderia ficar sob a tutela do proprietário até completar 21 anos. Essa segunda opção permitia o uso de mão-de-obra que manteria o trabalho escravo até 1892.
Por isso outras leis tiveram de ser aprovadas, mesmo que os setores mais conservadores entendessem que a escravidão estava condenada a acabar em breve. Assim, em 1885 foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que libertou os escravos com mais de 60 anos, mediante indenização. Mas ela ainda permitiria que os nascidos antes de 1871 continuassem no cativeiro por bastante tempo. Alguém nascido em situação escrava em 1870 só completaria 60 anos em 1930.
A população então intensificou a campanha pela abolição imediata da escravatura. Diversos setores, como a imprensa e sociedades abolicionistas fizeram várias ações para dar fim à vil instituição, como era chamada, entre 1885 e 1888. Comícios, discursos no parlamento, ações judiciais, fundos para compra de alforrias entre outras coisas foram utilizados como meio de levar o plano adiante, além da pressão política. Os escravos também não ficaram de fora. As revoltas e fugas aumentaram, criando caos social.
Porém, o presidente do conselho de ministros era alguém contrário à abolição imediata da escravatura e sem indenização, como queriam os abolicionistas. Seu nome era João Maurício Wanderley, o Barão do Cotegipe. Ele fez uma severa repressão ao movimento, até que a Princesa Isabel resolveu pressioná-lo para colocar a pauta em discussão. Porém, após um incidente com um policial, Cotegipe pediu demissão.
Para seu lugar foi chamado João Alfredo Correia de Oliveira, que já tinha sido ministro em 1871 e ajudou o Visconde do Rio Branco na lei do Ventre Livre. Seu ministro da agricultura, Rodrigo Silva, apresentou o projeto de lei da abolição da escravatura, que tinha duas disposições apenas:
1.º É declarada extincta a escravidão no Brazil.
2.º: Revogam-se as disposições em contrário.
Deste modo, após os setores mais conservadores perderem a disputa, a lei foi aprovada e o Brasil se viu livre da escravidão.
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