A constituição imperial outorgada em 1824 por Dom Pedro I definia no seu artigo 10 quais eram os poderes que ela reconhecia: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. Vou te explicar o que era o poder moderador, sua função e sua história enquanto esteve em vigor na nossa monarquia.
História da divisão dos poderes
A maior parte dos Estados ocidentais hoje possui uma divisão do poder em três: legislativo, executivo e judiciário. O principal teórico dessa divisão foi o Barão de Montesquieu, Charles-Louis de Secondat.
Para ele, essa divisão permitiria o freio e os contrapesos dos usos do poder, impedindo sua concentração em um único indivíduo.
Ela foi adotada no final do século XVIII por alguns Estados, como os Estados Unidos da América e a França após a revolução de 1789. Contudo, neste último país a coisa não deu muito certo. A França viveu um período muito turbulento, de instabilidade e violência política.
Tentando manter os ganhos históricos tanto do antigo regime quanto da própria revolução, o político Benjamin Constant propôs a criação de um novo poder: o moderador. Ele seria responsável pela estabilização e pacificação da política, ao lado de outras instituições, como o parlamento bicameral.
A teoria de Constant era conhecida de Dom Pedro I e de alguns políticos que estavam no Brasil quando a constituição da monarquia foi redigida. O poder moderador foi discutido na assembleia constituinte de 1823, mas não constava no anteprojeto elaborado nela. Só passaria a fazer parte do ordenamento político quando a casa fosse fechada e um grupo de 10 políticos da confiança do imperador fizesse um novo texto, no qual figurava o mecanismo.
Bom, mas em que consistia esse poder? Vamos descobrir agora.
Como o poder moderador funcionava?
O poder moderador foi praticamente copiado da teoria de Constant, que defendia o poder moderador como neutro e um árbitro dos demais poderes. No caso, ele estava acima dos outros, para guiá-los e evitar abusos.
Assim, seria sua função nomear ministros, dissolver a câmara baixa (dos deputados) e convocar novas eleições, nomear membros da câmara alta (Senado), temperar as ações do judiciário concedendo graças em caso de injustiça ou severidade.
Na constituição imperial, os artigos que tratam do poder moderador estão no Título V, capítulo I, artigos 98 a 101. Neles, é entendido que o moderador é a chave de toda organização política do país, cabendo apenas ao imperador, para velar pela independência, equilíbrio, e harmonia dos poderes políticos. Além disso, não podia ser responsabilizado juridicamente pelos seus atos e era exercido:
pela nomeação dos Senadores;
pela convocação da Assembleia Geral extraordinariamente
pela sanção dos Decretos, e Resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força de Lei.
pela aprovação, e suspensão interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes
Pela prorrogação, ou adiamento da Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua.
pela nomeação e demissão dos Ministros de Estado.
quando o imperador suspendia os Magistrados;
Pelo perdão e moderação das penas impostas e os réus condenados por sentença.
pela concessão de anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado.
Esse mecanismo poderia ser utilizado tanto para criar impedimentos à instabilidade política, quanto para favorecimento das ideias da coroa. Por isso, sempre sofreu críticas de todos os lados. No Primeiro Reinado ele foi uma das principais fontes de insatisfação da elite com Dom Pedro I, mas caiu como uma luva no temperamento sereno do seu filho, Pedro II.
Foi o poder moderador a garantia de uma ampla paz política, de quarenta anos, efetivamente realizada pela condução do revezamento das facções políticas realizado pelo imperador.
Poder moderador e república
Dizem que tudo que a república sempre quis foi um poder moderador para chamar de seu e pacificar e garantir a execução e independência dos outros poderes. Em alguns momentos o papel recaiu ou no exército, ou na suprema corte.
O curioso é que a tentativa de criação de um poder como este esteve presente na constituinte de 1933, realizada após o golpe de 1930 perpetrado por Getúlio Vargas. A proposta de um moderador na república foi feita pelo político gaúcho Borges de Medeiros. Para ele, este poder seria do presidente da república, que o exerceria:
vetando projetos de lei, que fosse inconstitucional ou contrário aos interesses da nação;
corrigindo as faltas e omissões do legislativo, ao propor projetos ele próprio;
convocando sessões legislativas extraordinárias;
nomeando e demitindo ministros, que formariam o poder executivo;
aprovando decretos, regulamentos e instruções propostas pelos ministros;
nomeando magistrados federais;
concedendo indultos e comutando penas;
fazendo a intervenção federal nos estados.
O presidente, diferente do período monárquico, deveria ser eleito pela população, com a possibilidade de se reeleger.
Podemos ver que muitas dessas funções fazem parte dos poderes do presidente da república segundo a Constituição Federal de 1988, com a diferença de que ele é detentor também do poder executivo.
Será que o debate sobre o poder moderador sendo função do exército ou do judiciário está equivocado e as considerações deveriam se voltar para o poder executivo? Cabe pelo menos investigar.
Autor: Dioney Pereira de Lima - Professor de história formado pela UEFS.
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